Comentários sobre Atlanta S04E08 — The Goof Who Sat By the Door

Egberto Santana Nunes
3 min readNov 14, 2022

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A volta da Black American Network nos brinda com mais uma reinvenção da realidade por meio de um aspecto conhecido da televisão: uma crença urbana contada no formato de um documentário. A crença é a de que o Pateta é, na verdade, um personagem negro. O falso documentário “The Goof Who Sat by The Door” pretende contar a história do longa metragem do Pateta, que teria sido o filme mais afro americano da história, feito pela Disney, na mesma época dos protestos contra a agressão policial ao Rodney King e os recordes de bilheteria e indicação ao Oscar para a empresa. O filme do Pateta teria sido dirigido e escrito por um homem negro por indicação de outro irmão de cor, Tom Washington, que acidentalmente virou CEO da empresa multibilionária hollywoodiana, confundindo a mente de todos os funcionários da companhia.

Durante os 30 minutos, a troca de entrevistas assume uma posição bastante rígida, pela câmera parada em frente aos locais das entrevistas. O drama é reforçado pelos relatos, com personagens do núcleo familiar do Tom, funcionários da época, o diretor do filme do Pateta e figuras reais que tiveram importância para a Disney ou para a cultura negra norte-americana, caso da jornalista Jenna Wothman e o cantor Brian McKnight.

O corpo de Tom está desaparecido desde a época da estreia do filme quando o carro que ele dirigia foi encontrado em um lago. Toda a narrativa apresenta mais tristezas de um suposto acontecimento do que a própria ideia absurda pode demonstrar como sátira. São lágrimas e risadas constrangidas em relação aos comportamentos do jovem negro entre os velhos brancos da Disney ou o menino que adorava Astro Boy em detrimento do basquete. As imagens de arquivo, incrivelmente bem maquiadas pelo figurino e pela arquitetura dos locais, dão o fechamento que um excelente documentário falso poderia ter.

Uma pessoa desatenta passando pelos canais poderia simplesmente acreditar fielmente no documentário. Tudo isso é muito Atlanta, é claro. Há os destaques: a imitação da risada do Pateta pelo diretor da animação, mas com uma vontade pura, séria, e menos um deboche ou galhofa de comédia (apesar da sensação de comédia ser compreensível, algo me diz que o próprio filme tende a cortar esse comportamento ou, como diz um comentário do IMDB: “xiuuu, é verdade”), na imagem de arquivo do Tom dançando para um grupo de estudantes (de modo que eles possam desenhar uma ação tipicamente negra) ou o mesmo tendo como sua última imagem uma gravação bêbado em casa. É o meio termo entre o assustador, o hilário e o surreal, sem necessariamente discutir o acontecido. Ah, isso vai ser falta.

Mesmo ao ressuscitar a BAN somente para incluir o especial soa como uma imaginação do que a própria televisão negra poderia transmitir e ousar. Ao ter uma televisão desse meio, os processos seriam tão possíveis ao ponto de investigar a origem e comprovar a autoria negra de uma animação consagrada já esquecida e feita por pessoas brancas?

E sim, é difícil não pensar no Pantera Negra. Na terceira temporada, a estreia do segundo filme era comentada entre os personagens. Agora, ele é lançado mundialmente. Uma semana depois de The Goof Who Sat by The Door, a première aconteceu. A primeira cartela do episódio diz que os advogados do filme fizeram todos os esforços para apurar os fatos, mas a Disney não poderia comprovar os mesmos. É engraçado e muito interessante a simples existência dessa realidade e é muito satisfatório que pelo menos nessa ficção isso tenha acontecido. Se Donald Glover está dizendo para a gente brincar com o passado, reimaginar o que poderia ter acontecido, aplicar nosso olhar para as obras que já circularam ao invés de aplicar os esforços somente para as grandes estreias, eu já não sei, mas pode ser um interessante ponto de partida.

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